Os britânicos Thomas Hughes e Emma Tustin foram condenados por um júri nesta quinta-feira (2) pela morte do menino Arthur Labinjo-Hughes, de seis anos, em junho de 2020.
O caso provocou comoção no Reino Unido. De acordo com as investigações, Arthur sofria uma rotina de abusos cometidos pelo pai e pela madrasta. Era constantemente submetido a violência física, privado de água e comida e mantido isolado em casa. O menino foi morto quando estava aos cuidados de Tustin, que o teria intoxicado com sal e batido sua cabeça em uma superfície dura.
Dois meses antes, o serviço de proteção social chegou a visitar o imóvel em que a família morava, na cidade de Solihull, na região central da Inglaterra, mas concluiu na ocasião que não havia evidência de maus-tratos – fato que acabou levantando uma discussão sobre as falhas dos serviços de proteção à infância no país.
O casal foi julgado por um júri no tribunal de Coventry Crown. Tustin foi condenada por homicídio e Hughes, por homicídio culposo (sem intenção de matar). Ambos foram considerados culpados ainda por acusações de crueldade contra crianças, previstas na lei penal britânica.
Tustin recebeu pena de prisão perpétua e terá de ficar no mínimo 29 anos na prisão. Hughes foi condenado a 21 anos de detenção.
A mãe biológica de Arthur, Olivia Labinjo-Halcrow, foi presa em 2019 por esfaquear até a morte seu então parceiro, Gary Cunningham. Ela e Hughes dividiam a custódia do filho.
O julgamento se estendeu por quase dois meses. Nesse período, os membros do júri foram apresentados a uma série de evidências perturbadoras coletadas durante a investigação.
Arthur teria sido forçado por Tustin a ficar “parado como uma estátua” por horas perto da porta de casa e, em outra ocasião, viu o pai rasgar duas de suas camisas do time Birmingham City para castigá-lo.
Foram horas de material em vídeo e áudio, gravados nas últimas semanas de vida da criança. Imagens de câmeras de segurança de dentro da casa do dia anterior ao homicídio mostram Arthur aparentemente mancando e chorando, com dificuldade para dobrar uma coberta que lhe havia sido dada para dormir.
Em um áudio, Arthur é ouvido gritando quatro vezes “ninguém me ama”. Em outro, grita “ninguém vai me alimentar” sete vezes. Próximo ao momento em que foi assassinado, o menino “mal era capaz de articular suas palavras” e praticamente não conseguia suportar o peso de seu próprio corpo.
Durante o depoimento de Tustin, o promotor Jonas Hankin chegou a dizer que estava claro pelo tom das ordens da madrasta a Arthur que ela “sentia satisfação” em ser cruel com o garoto.
Tustin negou ter sido responsável pela morte do menino, apesar de as evidências médicas apontarem que não havia como Arthur se auto-infligir os ferimentos que o levaram a óbito.
Durante o julgamento, soube-se que, apenas dois meses antes da morte de Arthur, o garoto havia recebido uma visita da assistência social. A avó paterna, Joanne Hughes, havia entrado em contato com o serviço de proteção social porque estava preocupada com a possibilidade de o neto estar sofrendo maus-tratos.
Os assistentes sociais disseram, contudo, não terem verificado elementos que levantassem suspeitas. Uma investigação paralela está sendo conduzida para averiguar a conduta dos profissionais.
O veredito do julgamento estampou a capa dos principais jornais ingleses nesta sexta-feira (3), e muitos deles chamaram atenção para as falhas na conduta dos agentes públicos para evitar a tragédia.
O correspondente da BBC na região inglesa de Midlands, Phil Mackie, pontua que, caso as instâncias públicas responsáveis por proteger as crianças tivessem interferido no momento em que deveriam agir, Arthur poderia ter sido salvo.
Ele diz enxergar, contudo, uma diferença importante em relação a outros casos parecidos noticiados nos últimos anos na região. “Os abusos contra Arthur escalaram assim que o pai se mudou para viver com Tustin, no início do primeiro lockdown no ano passado. Tudo aconteceu a portas fechadas, em um período em que todos estavam isolados e encontros presenciais eram raros.”
Segundo ele, a Sociedade Nacional para a Prevenção da Crueldade contra Crianças (NSPCC, na sigla em inglês), organização não governamental britânica, observou aumento de 23% nas ligações com denúncias nesse período.
Tustin fotografou Arthur com seu celular quando ele morria no corredor da casa e enviou a imagem a Hughes. Ela levou 12 minutos para ligar para o serviço de emergência, e disse aos profissionais de saúde que o menino havia caído, batido com a cabeça e, já no chão, batido a cabeça outras cinco vezes. Posteriormente, alegou que ele teria se jogado escada abaixo, apesar das evidências de que ele mal tinha forças para erguer um cobertor.
Embora Hughes não estivesse presente no momento da agressão, os promotores argumentaram que ele seria igualmente culpado do crime por “encorajar” a violência contra o próprio filho, além de submetê-lo, ele mesmo, a violência física.
Conforme a investigação exposta ao júri, Hughes teria feito uma série de ameaças ao menino, incluindo colocá-lo “sete palmos embaixo da terra”. Em uma mensagem de texto a Tustin, ele escreve: “acaba logo com ele”.
Arthur teria dito a outros membros da família, a seu médico e na escola que seu “pai iria matá-lo” e, em uma ocasião, teria falado ao próprio pai: “Corro perigo com você, pai”.
No tribunal, o casal foi descrito pelos promotores como “totalmente cruel, irracional e impiedoso”.
“Acho que eles são torturadores frios, calculistas e sistemáticos e agiram contra um garoto indefeso. Eles são perversos, malignos. Não há palavras para descrevê-los, especialmente (alguém que faz isso com) seu próprio filho”, disse a avó materna de Arthur, Madeleine Halcrow, após o anúncio do veredito.
A investigadora Laura Harrison, da polícia de West Midlands (condado na região central da Inglaterra), afirmou não estar claro por que Tustin e Hughes causaram tanto dano e sofrimento a Arthur ou por que instalaram uma câmera de segurança dentro de casa – as imagens foram fundamentais para mostrar a rotina de abusos.
Segundo ela, o menino não tinha um lugar na casa que pudesse “chamar de seu”.
“Os policiais encontraram seu edredom enfiado em um armário embaixo da escada, porque ele era obrigado a dormir no chão da sala todas as noites.”
Tustin declarou-se culpada de duas das acusações relacionadas a crueldade infantil – intimidação e agressão -, mas negou uma terceira, de que teria intoxicado Arthur colocando sal em excesso no que o menino comia e bebia.
Hughes foi condenado pelos crimes de intimidação e agressão, mas considerado inocente das acusações de privar o filho de se alimentar e de intoxicá-lo com sal.