Percinaldo Toscano
Professor/cronista
Consultando a minha estante e seus livros desarrumados e desordenados, não enxerguei nenhuma aranha que por ali pudesse estar passeando pelo dorso de qualquer livro exposto, mas pude imaginar “ Do que uma aranha é capaz”, principalmente, depois de ter lido Gonzaga Rodrigues em mais uma de suas belas e encantadoras crônicas, publicadas em “A União “.
No meu caso, não fora o aracnídeo o responsável para motivar minha vontade de manusear um ou mais livros, mas um brinquedo! – Um brinquedo ? Sim! Um brinquedo em forma de dinossauro, em minha casa deixado pelo meu neto Théo, de seis anos de idade. Guardado nas alturas da estante sobre “Um olhar interpretativo das canções de Chico”, livro do jornalista e escritor Rui Leitão, editado pela Ideia editora, 2018.
Imagino ter sido pela sugestão do referido Dino que retirei da estante – indubitavelmente – o livro “Um olhar interpretativo das canções de Chico” Buarque de Holanda. Diante despretensiosa sugestão, iniciei minha leitura pelos versos poéticos de “A Banda”, música esta que me fez sonhar em fronhas e travesseiros ingênuos, as mais nobres esperanças.
Nunca me passou pelo juízo – aos dez, doze anos de idade – quem era Chico Buarque, tampouco a cantora Nara Leão, interpretando “A Banda” no Festival da Canção da TV Record em 1966. O que me encantava, na verdade, era ver a felicidade estampada nas faces juvenis de uma alegria trazida pela banda cantando coisas de amor. Poder identificar o compromisso do maestro Léro com aqueles que o esperavam para ver a banda passar. Ali juntamente com o maestro estavam músicos de nossa terra como João Salustiano, Sr. Waldemar, Pedro Leonor, Genival Bezerra, Nicolau Pessoa, Seu Barbalho, entre outros. Na alvorada comemorativa a padroeira de Nossa Senhora da Luz (02 de fevereiro), crianças e jovens desabavam ladeira abaixo da Rua do Tambor (Deodoro da Fonseca) para ver a banda passar nas imediações da Praça João Clementino, profetizando um mundo das coisas simples, da alegria e dos sentimentos fraternos.
Ao passo em que eu realizava e avançava na leitura, cantarolava a médio tom as primeiras canções comentadas do livro como “Acorda, amor”, “Apesar de você”, “O que será?”, “Mulheres de Atenas”, “Construção” entre tantas. Na página 68 faço uma pausa para escutar “Cálice”! Um silêncio involuntário aflige o sonolento leitor. A laringe esconde a voz ao tempo em que sou arremessado aos brutais e inesquecíveis anos de 1975 a 1979, aos meus quinze e dezenove anos, concluindo o ensino médio e me preparando para o vestibular. Nessa época, a ditadura que vinha passando de mãos em mãos de ferro, era na oportunidade comandada pelo General João Batista Figueiredo, aquele que preteria o cheiro de gente por cheiro e suor de cavalo.
Neste momento de leitura geminada com memórias, me recordo do Grêmio Cultural de Guarabira, entidade essencialmente estudantil, criada na segunda metade dos anos 70 com objetivo de estimular a leitura no meio secundarista e universitário, nos possibilitando consequentemente a mergulhar por outras leituras, de conotação política, certamente. O Pasquim, tabloide semanal escrito por Ziraldo, Jaguar e outros intelectuais opositores ao regime instalado em 1964, era um dos nossos jornais preferidos. Valéria Rezende que nestes anos setenta, residia e atuava nas Comunidades Eclesiais de Base – CEBs da Diocese de Guarabira, muito compartilhou com a juventude vigente, primorosamente nos momentos de leituras coletivas, através de um clube de leitura, fato que nos traz recordações dos “Cadernos de Educação Popular” escritos por Marta Harnecker e Gabriela Uribe, tendo em seu primeiro volume texto sobre explorados e exploradores no contexto do materialismo histórico dialético.
Finalmente, a madrugada silenciosa e calma deste verão, consorciada com o abrupto brinquedo de Théo, me propiciou outras reflexões sobre os textos interpretativos do cancioneiro popular brasileiro. Como profetizou Chico: “amanhã há de ser outro dia”.
02.01.2025