A Suprema Corte da Rússia ordenou nesta terça-feira (28) a dissolução da organização de direitos humanos Memorial, após os promotores acusarem o grupo de violar leis referentes a fontes de financiamento vindas do exterior.
A entidade é conhecida por denunciar perseguições desde a época do líder soviético Josef Stalin, e é tida como um símbolo da democratização pós-União Soviética.
A decisão atinge a Memorial International, a estrutura central da organização, e encerra um ano de repressão histórica promovida pelo governo de Vladimir Putin sobre grupos de direitos humanos e de oposição, com ataques à imprensa independente e a prisão de seu maior crítico e opositor, o ativista Alexei Navalny. Ainda assim, a dissolução da Memorial era, até pouco tempo, algo inimaginável.
A juíza Alla Nazarova ordenou o fechamento da Memorial International e suas ramificações regionais, após os promotores acusarem o grupo de burlar a obrigatoriedade de marcar suas publicações com um rótulo de “agente estrangeiro”, algo exigido para as organizações que recebem financiamento vindo do exterior.
A Promotoria também acusa a organização de denegrir a memória da União Soviética e suas vitórias, além de “reabilitar crimes nazistas”. Um dos promotores chegou a afirmar que a Memorial “cria uma imagem falsa da URSS como um Estado terrorista e denigre a memória da Segunda Guerra Mundial”. O próprio Putin acusou a entidade de defender “organizações terroristas e extremistas”.
Fundada por dissidentes soviéticos
A Memorial foi fundada em 1989 por dissidentes soviéticos, incluindo o vencedor do Prêmio Nobel da Paz Andrei Sakharov. Em nota divulgada nesta terça-feira, a Memorial International afirma que vai recorrer da sentença e encontrar “meios legais” de continuar seu trabalho.
“A Memorial não é uma organização, tampouco um movimento social”, diz o comunicado. “A Memorial é a necessidade de os cidadãos da Rússia saberem sobre seu passado trágico, sobre o destino de milhões de pessoas.”
A entidade possui uma estrutura dispersa de organizações locais, com a manutenção dos extensivos arquivos da entidade em Moscou e a coordenação dos trabalhos a cargo da Memorial International. O grupo passou anos catalogando atrocidades cometidas no período soviético, especialmente nos campos de prisioneiros conhecidos como os Gulag.
Seus apoiadores avaliam que a dissolução da entidade sinaliza o fim de uma era no processo pós-soviético de democratização, que neste mês completa 30 anos.
A Memorial International pesquisa e publica informações sobre crimes e violações aos direitos humanos no passado, além de ajudar pessoas a acessarem os arquivos da polícia secreta soviética em busca de dados sobre a história de suas famílias.
Resgate da história de muitas famílias
A entidade ajudou muita gente a colocar em ordem os históricos de suas famílias entre os chamados anos do Grande Terror (1937-1938) durante a era Stalin, quando aproximadamente 700 mil pessoas foram executadas, segundo estimativas oficiais consideradas conservadoras.
A Memorial compila listas de vítimas e colhe testemunhos e documentos de arquivos familiares, além de objetos e trabalhos artísticos relacionados às redes de campos de prisioneiros soviéticos. Seu museu, biblioteca e arquivos são considerados os maiores repositórios públicos desse tipo de material na Rússia.
Apesar de o próprio Estado soviético ter repudiado a brutalidade promovida por Stalin, após sua morte, em 1953, muitos na Rússia ainda o reverenciam como o grande líder do país durante a vitória sobre os nazistas na Segunda Guerra.
A Memorial e seus apoiadores acusam as autoridades russas de tentar minimizar e encobrir os crimes da era soviética.
Centro de Direitos Humanos
A audiência nesta terça-feira tratou de um dos dois casos contra o grupo. Os promotores também exigem o fechamento do Centro de Direitos Humanos Memorial, que acusam de colaborar com terroristas e extremistas.
O Centro também é acusado de violar a legislação sobre financiamentos estrangeiros. Uma audiência sobre o caso está marcada para esta quarta-feira em um tribunal de Moscou.
O Centro de Direitos Humanos realiza campanhas pelos direitos dos prisioneiros políticos, migrantes e grupos marginalizados, além de denunciar abusos na turbulenta região do norte do Cáucaso, que inclui a Chechênia, onde forças militares russas derrotaram rebeldes separatistas em duas guerras.
Nesta terça-feira, dezenas de manifestantes se reuniram em frente a Suprema Corte sob temperaturas congelantes para protestar contra a decisão. Vários deles foram presos.
O embaixador americano na Rússia, John Sullivan, avaliou a decisão da Suprema Corte como uma “tentativa flagrante e trágica de reprimir a liberdade de expressão e apagar a história”.
“A dissolução da Memorial International é uma perda terrível para o povo russo”, afirmou o ministro francês do Exterior, Jean-Yves Le Drian, acrescentando que a decisão é “profundamente preocupante para o futuro da pesquisa histórica e para a defesa dos direitos humanos na Rússia”.
Já o governo alemão classificou a decisão como “mais do que incompreensível” e disse que a medida vai contra as garantias internacionais de proteger os direitos civis fundamentais.
g1