Dizia-se que o noticiário político deveria sair na seção de polícia. Mas no caso do PSL, partido de Jair Bolsonaro, o caderno de economia talvez se revele uma opção mais adequada. A sigla parece atuar como uma legenda de negócios. Dedica-se à produção de laranjas, indicam reportagens da Folha. Em Pernambuco, a candidatura cítrica da desconhecida Maria de Lourdes Paixão à Câmara obteve ridículos 274 votos. Entretanto, quatro dias antes da eleição, o pseudocomitê da hipotética candidata recebeu R$ 400 mil do fundo eleitoral bancado pelo Tesouro Nacional. Alega-se que 95% da cifra serviu para pagar a impressão de panfletos e adesivos. No endereço gravado na nota fiscal, porém, não há vestígio de gráfica.
A novidade chega uma semana depois da manchete sobre candidaturas laranjas do PSL em Minas Gerais. Ali, repassaram-se R$ 279 mil do fundo eleitoral público para quatro supostas candidatas. Na sequência, a verba foi direcionada para empresas vinculadas ao gabinete do deputado Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG). Por mal dos pecados, Bolsonaro acomodou-o na poltrona de ministro do Turismo.
Será divertido ouvir Bolsonaro sobre a deterioração do PSL quando ele tiver alta hospitalar. O capitão não poderá alegar que está surpreso. Ao enganchar seu projeto presidencial na legenda, sabia que pisava um chão escorregadio. Na época, o nanico Partido Social Liberal já era capaz de tudo, menos de demonstrar sua vocação social ou de afastar do déficit público seu alegado pendor liberal.
Hoje, vitaminado por Bolsonaro, o PSL disputa com o PT o título de maior bancada da Câmara. Antes da chegada do capitão, o partido tinha uma minibancada de dois deputados: o líder Alfredo Kaefer (PR) e a liderada Dâmina Pereira (MG). Ambos se integraram à milícia parlamentar de Eduardo Cunha.
A dupla acompamhou o então presidente da Câmara até a beira do abismo. O mandato de Cunha foi passado na lâmina por 450 votos a 10. Alfredo agarrou-se na beirada, optando pela abstenção. Dâmina pulou no precipício, votando a favor de Cunha.
Na tramitação de duas denúncias criminais contra Michel Temer, a bancada do PSL, engordada pela presença do suplente de deputado Luciano Bivar (PE), presidente e sócio-proprietário do partido, juntou-se à ala dos coveiros da Câmara. Bivar, Alfredo e Dâmina ajudaram a enterrar as acusações, impedindo o Supremo Tribunal Federal de converter Temer em réu, o que levaria ao seu afastamento do cargo.
Em janeiro de 2018, quando se filiou ao PSL, Bolsonaro assinou uma nota junto com Bivar. Nela, escreveram: “É com muito orgulho que o PSL recebe o deputado Jair Bolsonaro e sua pré-candidatura à Presidência da República. Outrossim, é com muita honra que o deputado se sente abrigado pela legenda, e muito à vontade em um partido onde existe total comunhão de pensamentos.”
Surfando a onda Bolsonaro, Bivar foi promovido de suplente a titular do mandado de deputado. A candidatura laranja de Maria de Lourdes Paixão foi plantada no seu Estado, Pernambuco, debaixo do seu nariz. Quer dizer: o capitão precisa definir rapidamente a expressão “total comunhão de pensamentos”.
Num célebre artigo intitulado “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”, o então juiz Sergio Moro anotou que a desmontagem e o encarceramento da rede de corrupção que atormentava a Itália “levou à deslegitimação de um sistema político corrupto”. Deu-se algo semelhante no Brasil.
Prima-irmã da italiana “Operação Mãos Limpas”, a Lava Jato também acentuou nesta terra de palmeiras e sabiás o apodrecimento do sistema partidário. A corrupção triturou a credibilidade de gigantes como PT, MDB e PSDB. Gente com a experiência de Moro, agora ministro da Justiça, decerto enxerga o PSL de Bolsonaro mais perto do problema do que da solução.
A Presidência de Bolsonaro, suprema ironia, nasceu como uma flor do lodo. Cavalgando o seu sétimo mandato parlamentar, o capitão apresentou-se ao eleitor como uma fulgurante novidade: o único político radical o bastante para combater os maus costumes. O PSL transforma esse tipo de pregação numa teatralização da ética.
Tomado por suas práticas, o PSL faz do “novo” que Bolsonaro diz representar uma coisa muito velha. Mantido o suprimento de odor que exala do palco, o brasileiro logo terá saudades do tempo em que laranja era apenas uma fruta cítrica.