O feitiço contra o feiticeiro. A lição aprendida demonstrada na prática. O time inconstante em mata-matas que anulou o “Rei de Copas”. Um Flamengo que soube se reinventar para chegar às semifinais da Copa do Brasil.
Nada foi obra do acaso na vitória por 1 a 0 sobre o Grêmio, na noite de quarta-feira, no Maracanã. Do gol de Everton Ribeiro, logo aos cinco minutos, ao ferrolho bem definido e executado nos 85 seguintes, o Flamengo abriu mão de sua principal característica para se vestir de copeiro e inverter os papéis que geraram frustração uma semana atrás.
O roteiro diante dos gaúchos foi muito parecido com o que deu ao Cruzeiro a vitória no primeiro jogo das oitavas de final da Libertadores. Intensidade inicial, vantagem e bola para que o adversário teste suas capacidades de paciência e criatividade. Desta vez, a festa foi em vermelho e preto.
O retrospecto do Flamengo em 2018 ajuda a deixar mais nítida a mudança de postura do time de Maurício Barbieri. Levando em conta Brasileirão, Libertadores e Copa do Brasil, foi a primeira vez que a equipe deixou o Maracanã com menor posse de bola: 40% x 60%.
E mesmo fora de seus domínios é raro que isso aconteça. Apenas nos três duelos da fase de grupos da Libertadores, diante do Vitória na estreia no Brasileirão (quando teve um a menos durante todo o jogo praticamente) e ao vencer o Atlético-MG no Horto, o Flamengo teve que correr atrás da bola.
Não à toa, Barbieri deu o recado em entrevista coletiva:
– O Flamengo sabe atuar de mais de uma maneira.
Tudo, no entanto, passa pela postura inicial recompensada pelo gol. Foram apenas cinco minutos, mas o suficiente para observar duas equipes com marcação avançada e extremamente verticais ao recuperarem a bola. Em dois ataques, o Grêmio foi desarmado. Em dois ataques, o Flamengo finalizou com Vitinho e abriu o placar com Everton Ribeiro.
Vantagem estabelecida e com a torcida inflamada, o Flamengo soube não se deixar levar pelo ambiente e foi maduro. Recuou, posicionou-se quase sempre atrás da linha da bola, encurtou os espaços e apostou nos contra-ataques.
A marcação dobrada dificultava a vida do Grêmio a partir da intermediária ofensiva e proporcionou boas saídas com Paquetá e Everton Ribeiro. A dupla teve papel fundamental na consistência defensiva. O camisa 11, por exemplo, computou quatro desarmes e quatro roubadas de bola.
Descansados do fim de semana, quando pouparam todo time titular no Brasileirão, os gaúchos adiantavam muito a marcação e impediam a troca de passes habitual na saída de bola. Diego Alves se via obrigado a apelar para chutões, e o Grêmio chegou a ter 64% de posse. Nada, porém, que gerasse lances de perigo em todo primeiro tempo.
A volta do intervalo apresentou um Grêmio a mil por hora, no momento de maior pressão na partida. Até os dez minutos, o Flamengo sequer passou do meio-campo com a bola dominada e teve que se desdobrar para conter as boas jogadas de ultrapassagem dos laterais. Menos mal que os cruzamentos nunca encontravam os pés ou a cabeça de André.
Barbieri identificou o problema e agiu. Trocou um combativo Vitinho pelo gás de Marlos Moreno, e o Flamengo conseguiu respirar. Na base da correria, o colombiano subia a marcação e, com a bola recuperada, a mantinha como dava no campo de ataque.
A medida que a partida se aproximava do fim, a ansiedade aumentava e o Grêmio passou a errar lances bobos, facilitando a missão carioca. As bolas aéreas invariavelmente paravam em um intransponível Réver, que terminou a partida com dez desarmes, e Diego Alves seguia sem ser exigido.
E o goleiro aproveitou a experiência para apresentar uma outra faceta rara no Rubro-Negro: de time copeiro. Aos 26, recebeu cartão amarelo por fazer cera, e não foi o único. Diego Ribas chegou a irritar Luan ao dar lugar a Rômulo e o tempo passava. Foi mais de meia hora de jogo parado (57min38 de bola rolando).
Outras estatísticas ajudam a comprovar o plano executado com maestria para que o Flamengo batesse o Grêmio. Se deu a bola ao adversário (283 x 424 em passes trocados), soube recuperá-la de maneira impressionante: 41 x 9 nos desarmes.
A marcação bem postada e agressiva obrigava o Grêmio a rodar o jogo e muitas vezes apelar para toques para trás. Não por acaso, Jaílson (73) e Ramiro (66), os dois volantes, foram os jogadores que mais tentaram passes na partida.
– Deixamos a bola com eles, mas tínhamos o jogo sob controle – definiu Arão.
E assim foi. Copeiro, disciplinado e inteligente, o Flamengo deixou para trás a má impressão do duelo com o Cruzeiro e renovou a esperança do torcedor.
Pela Copa do Brasil, a semifinal contra o Corinthians só começa dia 12 de setembro, em partida com mando ainda a ser definido. Antes, porém, dia 29, há o reencontro com os mineiros, pela Libertadores, no Mineirão. E um Flamengo copeiro vai renovado para BH.
Fonte: Globo Esporte