Lendo crônicas escritas por Bráulio Tavares, do livro “A nuvem de hoje”, editado pelo selo Latus/EDUEPB, 2011, curiosidade me trouxe a crônica “Bacurau”, onde o autor chama atenção para o comportamento de jovens rapazes na década de 70, na cidade de Campina Grande, quanto ao hábito de ficar madrugadas a conversar sobre os mais diversos assuntos, ocupando praças, jardins, esquinas ou outros espaços urbanos.
Pois bem! Recordo-me que por aqui na Rainha do Brejo, na maioria das noites, também nos encontrávamos para realizar estas reuniões, nada mais que seis ou sete participantes, cheios dos melhores propósitos, ideais revolucionários, comentários sobre livros, críticas sobre os novos lançamentos musicais, sejam de Chico Buarque, Milton Nascimento, Zé Ramalho, Elba, Fagner e outros mais. Vivíamos as décadas de 70 e 80, onde a ditadura ainda atuava ferozmente sobre aqueles que descordavam desta forma vil de conduzir a nação brasileira.
Nas noites de sábados e domingos, moças e rapazes circulavam a praça Lima e Moura, no centro da cidade, espaço privilegiado da juventude existente. Nossos jovens desfilavam incansavelmente por suas calçadas largas. Aqui era exibida a nova moda, o novo penteado, os atraentes cheiros da recente perfumaria, botas, tênis, bolsas, calça Lee, além de gestos e comportamentos atinentes aos jovens sedentos de liberdade.
Opalas e Chevettes estacionados às margens das calçadas, exibiam toca fitas executando canções de um novo tempo que estava por chegar, buscando paz, amor ou outra coisa que pudesse expressar recusa a qualquer forma de pensamento truculento. Músicas como “Sampa” de Caetano Veloso, “Tarde em Itapuã” de Vinícius de Moraes, “Mulheres de Atenas” de Chico Buarque, “Coração de estudante” de Milton Nascimento, além de outras canções emblemáticas como “Caminhando” de Geraldo Vandré, “Construção” e “O que será?” de Chico Buarque de Holanda embalavam nossos sonhos.
Após às 22 horas a praça começava a esvaziar, o relógio da Matriz de Nossa Senhora da Luz sinalizava o recolher para as jovens moças, o horário determinado se expirava, e os rapazes o que fariam diante da ausência feminina? Ao ar livre, nas esquinas, em pequenos círculos abria-se uma nova fase nos diálogos, que enveredariam pelas madrugadas guarabirenses, a discutir sobre política, cinema, futebol, música, vida alheia, causos da cidade, sacanagem e pretensões, mas, indispensavelmente, um tema que sempre vinha à tona era qual seria nosso comportamento diante das ações da ditadura.
O tempo, inexoravelmente cumpre seu desígnio, transformando noites em madrugadas profundas, ornada pelas estrelas de céu límpido e apitos longínquos dos guardas-noturnos. Um castigo para os sofrentes de insônia! Em nossa volta a viatura policial passava lentamente, esboçando apenas olhares fúnebres, nos provocando a pensar sobre a escuridão dos porões criados pelo regime ditatorial e os gritos clamando socorro. Esses olhares nos faziam medo, muito medo!
Como diz o poeta, Bacurau era nomenclatura atribuída aos jovens Campinenses que se utilizavam das noites para dialogar horas e horas. Mas este fato não somente acontecia em Campina Grande, ele próprio – o poeta – já teria observado tal comportamento em outras cidades.
Tendo os jovens guarabirenses um comportamento análogo aos jovens de outros lugares, aos poucos e silenciosamente foram desaparecendo deste cenário notívago, pois as contingências da vida se encarregaram de nos distanciar, restando somente esporádicos reencontros, para lembrarmos da indispensável irreverência dos vinte anos de idade.
Guarabira, 16.06.2024