A pandemia de Covid-19 poderia ser a chance para que alunos de medicina aprendessem na prática como lidar com uma emergência sanitária e situações de estresse, em especial nos dois últimos anos da graduação, quando participam de atividades práticas dentro de hospitais.
Mas a formação exige acompanhamento de médicos mais experientes e muitos foram deslocados para a linha de frente. Desde março de 2020, a maioria das aulas práticas foram suspensas ou resumidas a períodos mais curtos. Agora, a reposição ocorre de modo acelerado, de acordo com o relato de estudantes.
Universitários ouvidos pelo G1 temem pelo impacto na qualidade na formação. A Associação Médica Brasileira (AMB) confirma que pode haver déficit, mas aposta que ele deve ser minimizado ao longo da formação de cada futuro profissional.
Para se tornar médico, o aluno passa pela graduação ao longo de cinco anos. Os dois últimos são de aulas práticas (internato) em hospitais. Ao se formar, estão habilitados para trabalhar com clínica geral. Caso queiram se especializar, há ainda mais três anos de residência médica.
“Eu sinto, como docente, que a atividade dos primeiros anos foi levemente prejudicada, mas o grande prejuízo se deu nos últimos dois anos, que são de atividade de campo, em laboratórios, enfermarias, centros cirúrgicos”, afirma César Eduardo Fernandes, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB).
Protesto de estudantes dos cursos de saúde na UFPI — Foto: Marcos Teixeira/TV Clube
Os relatos de protestos e reclamações de estudantes ocorrem nas redes pública e privada. Em fevereiro, os estudantes dos cursos de saúde da Universidade Federal do Piauí (UFPI) cobraram a volta às aulas na modalidade híbrida, quando parte dos alunos têm aulas de forma remota e outra parte presencial. As aulas presenciais foram suspensas em março de 2020. Em março, protestos foram puxados também na rede privada em São Paulo.
Três alunos ouvidos pelo G1 contam como está sendo a formação neste período. Confira os relatos:
Teoria a distância e prática concentrada em um dia
Larissa Mauler Lobo, 24 anos, está no terceiro ano de medicina. Ela ainda não faz as aulas práticas do internato, mas algumas disciplinas exigem que os estudantes pratiquem o que viram na teoria, como as aulas de anatomia.
Após a suspensão das aulas presenciais no primeiro semestre, substituídas pelo ensino online, o Ministério da Educação (MEC) baixou uma portaria autorizando que as práticas ocorressem. Na Universidade Santo Amaro (Unisa), na Zona Sul de São Paulo, onde Larissa estuda, estas aulas voltaram no segundo semestre do ano passado.
“A gente quer uma formação de qualidade. Para mim, o ano passado foi nulo”, afirma.
Antes da pandemia, o ensino era dividido. Metade da aula era teórica, e a outra metade era prática, no laboratório. A aula de anatomia, por exemplo, acontecia uma vez por semana. Com a pandemia, foram seis meses de anatomia topográfica no EAD (ensino a distância).
“Eles marcaram a reposição dos seis meses em um único sábado, em oito horas de aula. Você acha que algum aluno absorveu alguma coisa? Não tem a menor condição”, avalia.
Ela faz parte de um grupo que protesta pela qualidade da educação na Unisa. Cobram informações sobre demissão de professores, interrupção de contrato com hospitais para os alunos dos últimos anos fazerem o internato e desconto na mensalidade, de R$ 9,6 mil, para quem estiver com problemas financeiros.
No início de março, uma manifestação reuniu 300 pessoas – elas estavam dentro de carros e, segundo Larissa, não houve risco à saúde dos manifestantes.
O G1 entrou em contato por e-mail com a assessoria de imprensa da universidade e com a secretaria da graduação em medicina, mas não obteve retorno até a mais recente publicação desta reportagem.
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