Jair Bolsonaro fez nesta quinta-feira (11), um aceno tímido ao banquete ecológico que Emmanuel Macron tanto deseja oferecer ao mundo. Ao lançar o programa “Adote um Parque”, em que convoca empresas privadas a contribuírem para a proteção ambiental que seu governo vem sistematicamente desmontando a galope, soltou uma frase desajeitada e reveladora de sua visão estreita das relações internacionais.
“Não tem por que Brasil e França se distanciarem”, disse ele. E, completou, referindo-se à Guiana Francesa – a pequena nesga da floresta amazônica que os franceses gostam de chamar de um dos “confetes” preservados dos tempos de seu império colonial: “afinal de contas, somos vizinhos! (….) Temos que ser amigos”. O vídeo do discurso de Bolsonaro, em que compara a “adoção de um parque à adoção de uma criança” e enaltece a rede de supermercados Carrefour, aparentemente a primeira a aderir ao programa, foi imediatamente postado no site da Embaixada brasileira em Paris.
Não demorou muito para que milhares de mensagens nas redes sociais começassem a circular, manifestando indignação contra a participação do poderoso grupo francês no que consideram ser greenwashing (*) de Bolsonaro, destinando 600 mil euros por ano para financiar a proteção no estado de Rondônia. Greenwashing, que significa literalmente “lavagem verde”, é hoje a expressão corriqueira para nomear ações de empresas e de governos que trabalham uma falsa imagem ambientalista para esconder práticas predatórias antiecológicas.
Macron foi o estadista que, em agosto de 2019, lançou alerta a um planeta em estado de choque diante da escalada de incêndios que aceleravam a devastação da floresta amazônica, ligada ao deliberado estímulo do governo Bolsonaro ao desmonte das políticas ambientais. Um mês antes, com uma jogada de marketing vulgar, fotografado numa cadeira de barbeiro, o presidente brasileiro havia deixado plantado em Brasília o ministro das Relações Exteriores francês Jean-Yves Le Drian, encarregado de transmitir “as linhas vermelhas” que o Brasil não poderia transpor se desejasse a ratificação do controvertido acordo entre a União Europeia e o Mercosul.
Em seguida a seu alerta no Twitter, Macron recebeu o G-7 em Biarritz e foi categórico: a França retirava seu apoio ao acordo. Bolsonaro brandiu um falso nacionalismo de “ataque à nossa soberania” e contou com o apoio grosseiro de seu ministro da Economia Paulo Guedes, para outro gesto de descompostura imperdoável: ofender a mulher do presidente, Brigitte Macron.
A desmoralização do greenwashing é uma das principais frentes de batalha da questão ambiental que lidera o debate sobre justiça climática na Europa, e em especial na França, onde o governo acaba de apresentar ao Parlamento um novo projeto de lei, chamado “lei do meio ambiente e resiliência”. Para elaborá-lo, numa experiência inédita, foram nomeados por sorteio 150 representantes da sociedade civil para uma Convenção Cidadã sobre o Clima, e o governo terminou por acolher 46 das 149 propostas da Convenção Cidadã que visam acelerar a luta contra o aquecimento do planeta.
Fim do comércio de filtros térmicos, interdição de publicidade de energias fósseis, proibição de voos domésticos caso haja alternativa de transporte de trem para distancias percorridas em até duas horas e meia, interrupção da venda de veículos a gasolina ou diesel até 2030, redução das áreas de solo artificializado para preservar espaços naturais, generalização de cardápios vegetarianos nas cantinas escolares e refeições compostas ao menos com metade de produtos frescos na restauração coletiva (empresas, hospitais, colônias de férias, prisões, casas de repouso): a lei promove algumas mudanças substanciais no modo de vida francês, destinadas a reduzir 40% das emissões de gás de efeito estufa até 2030 em relação a 1990.
Ainda assim, antes mesmo de ser votada, já foi considerada frustrante e obsoleta por nada menos que 101 organizações ambientalistas que enviaram uma carta aberta a Macron. Acusam-no de “falta de ambição” por não acolher tantas outras propostas da Convenção que poderiam oferecer ao país “um formidável potencial de saída da crise climática, sanitária, econômica e social”.
A consciência ecológica desenvolvida nos últimos dez anos expandiu sua amplitude com a nova e inevitável correlação entre meio ambiente e pandemia. A pressão sob Macron se intensificou: em 3 de fevereiro, em decisão inédita, o tribunal administrativo de Paris condenou o Estado pela “falta” cometida ao fracassar em reduzir suas emissões de gás de efeito estufa de acordo com o teto por ele mesmo fixado no Acordo de Paris em dezembro de 2015.
Dois milhões e oitocentas mil assinaturas, colhidas em 2018 em pouco mais de 24 horas por inicialmente quatro grandes associações ambientalistas, deram origem a um processo de grande repercussão nacional, que ficou conhecido como “O Caso do Século”. O governo tem dois meses para se explicar e apresentar um plano de medidas que o façam recuar ao menos nos 3,5% a mais de emissões a que se comprometeu.