A derrubada do direito constitucional ao aborto pela Suprema Corte americana reforçou também o sentido da expressão “não há nada tão ruim que não possa piorar”. Os temores de que o tribunal, agora politizado em uma maioria conservadora, pode ir além de cassar um precedente em vigor há meio século ganharam intensidade com a opinião em separado, expressada pelo juiz Clarence Thomas:
“Em casos futuros, devemos reconsiderar todos os precedentes substantivos do devido processo desta corte, incluindo Griswold, Lawrence e Obergefel”, escreveu o magistrado, considerado o mais conservador entre nove que integram a Suprema Corte.
E outras palavras, os três precedentes citados por Thomas referem-se aos direitos de acesso a contraceptivos, garantida em 1965, ao sexo gay consensual, de 2003, e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, de 2015.
Nomeado pelo então presidente Bush pai, durante a audiência de confirmação, em 1991, ele se mostrou cauteloso sobre sua posição sobre a decisão Roe x Wade, que em 1973 estabeleceu o direito à interrupção da gravidez. Ao longo das últimas três décadas, no entanto, manifestou em suas sentenças, profundas convicções conservadoras. Aos 74 anos, ele encontrou agora o terreno fértil para sinalizar a anulação de outros direitos assegurados à população.
A ameaça fez sentido 56% de entrevistados pela pesquisa NPR/PBS, preocupados com os outros alvos constitucionais. E foi corroborada pelos três juízes progressistas, agora em minoria no tribunal. O trio dissidente formado por Stephen Breyer, Sonia Sotomayor e Elena Kagan alertou sobre a vulnerabilidade de outras decisões tomadas pela corte e que estão vinculadas ao aborto.
“Ninguém deve ter a certeza de que esta maioria terminou o seu trabalho”, atestaram os magistrados, apresentando um argumento básico: esses direitos fazem parte do mesmo tecido constitucional que protege a autonomia sobre decisões mais pessoais da vida.
Há seis anos, a revogação da decisão Roe x Wade parecia improvável e soava como falácia. Tornou-se concreta a partir da nomeação de três juízes de raiz conservadora pelo então presidente Donald Trump para o mais alto tribunal do país.
Um deles, a magistrada Amy Coney Barrett, foi ratificada pelo Senado republicano numa manobra orquestrada pelo líder da maioria republicana, Mitch McConnell, no apagar das luzes do mandato presidencial. O efeito nefasto dessa politização para o país teve início na semana passada. E, certamente, não deve parar aí.