A primeira cena do documentário “Branco&prata” é bem conhecida da maioria das mulheres: num salão de beleza, é preparada a tintura que será aplicada numa cliente pouco disposta a ostentar a cabeça grisalha. Com direção de Humberto Bassanelli, o filme tem 38 minutos e está disponível on-line desde o fim de setembro. Reúne os depoimentos de diversas mulheres que decidiram parar de pintar os cabelos, mostrando como uma simples opção estética mexe com todos à sua volta.
O argumento é de Elca Rubinstein, entrevistada por esse blog há dois anos, que também dá seu depoimento. Enquanto deixava o branco tomar conta, usou uma peruca. “A peruca me resguardava dos comentários das pessoas, dos pedidos para que eu voltasse a tingir os cabelos”, lembra. Numa outra tomada, estão sentadas no sofá a filha, Olga, com a cabeça cor de neve, e a mãe, Sarah – e esta última não esconde sua insatisfação com a situação… A designer de joias Patricia Centurion, que assumiu o branco logo depois dos 40, acabou convencendo a mãe e a avó a fazer o mesmo. No entanto, sentiu o peso de olhares reprovadores nas ruas, como se estivesse abrindo mão da feminilidade.
A psicóloga, psicanalista e especialista em gerontologia Eloisa Adler é outra que deixou as tintas há cinco anos. Reconhece que o processo foi libertador, mas longo – “uma travessia”, na sua avaliação. “Meu filho, minha filha e meu genro deram o maior apoio, mas algumas amigas não se conformavam e até houve conhecidos que passaram a se dirigir a mim como ‘senhora’. É interessante porque a aceitação da geração mais nova se contrapõe à reação dos mais velhos, que se defrontam com o próprio processo de envelhecimento. O número de mulheres que assumiram os cabelos brancos aumentou, mas o estranhamento permanece. Curioso é que pessoas desconhecidas se sentem à vontade para fazer comentários sobre a cabeleireira alheia até na rua, ou seja, aquilo acaba se transformando num fato social. Os cabelos brancos criam uma mobilização, é como se descobrissem o véu da velhice, que se quer ocultar a qualquer custo. É um destamponamento. Para a mulher, é um atestado indubitável do seu momento existencial, de se aceitar, por isso é tão libertador, embora não exclua os conflitos que pontuam o contínuo de ser tornar mais velha”, explica.
Ainda me sinto meio distante desse processo e, a cada duas semanas, me submeto ao pequeno martírio da coloração. O que mais me aborrece é a fase de transição, que leva meses, por isso reuni três depoimentos de mulheres que optaram por caminhos bem distintos para chegar aos cabelos brancos. Mariza Louven foi radical: pediu para a irmã passar máquina 3 e, a partir daí, foi só deixar as madeixas crescerem. “Muita gente estranhou, tive que explicar que não estava doente! Mas acabei de fazer 58 anos, não tenho 20 e sou bastante tranquila em relação à idade. Além disso, é muito mais prático não ter que pintar”, diz.
Vania Mezzonato conta que já tinha decidido se “assumir” quando completasse 60 anos, o que aconteceu ano passado. Fez mechas descoloridas e numa segunda etapa, descoloriu tudo, mas não deu certo: “ficou louro, aí passei a cortar até chegar à cor natural. Demorou um ano para ficar com o visual que eu pretendia”. Adriana Oliveira, de 51, decidiu manter o corte longo: “na minha opinião, não é o branco que envelhece, e sim o espírito velho, o corpo malcuidado, o estilo de vida sedentário. Há uns dois anos, resolvi não pintar mais. O primeiro passo foi fazer luzes claríssimas no cabelo todo, mas os cabeleireiros sempre me deixavam loura, e não platinada, que é o mais perto do branco. Após muitas tentativas frustradas, consegui chegar a uma cor mais próxima da prata nas pontas e agora o desafio é igualá-las às raízes grisalhas. É preciso ter atitude para ostentar a maturidade sem moderação”.