Um carro estaciona em frente ao prédio. Surgem fogos de artifício e um som alto com músicas da moda toma conta da vizinhança. Um locutor chama um dos moradores na sacada e já emenda com um pedido para que vizinhos pisquem as luzes dos apartamentos, enquanto narra um texto ao homenageado, uma encomenda de amigos e familiares.
A cena tem se tornado cada vez mais comum em tempos em que o isolamento social se tornou praticamente regra em grande parte das cidades brasileiras. As chamadas mensagens ao vivo, acompanhadas algumas vezes de carreatas com buzinaços, voltaram a ser os queridinhos dos parentes e conhecidos que querem homenagear um ente especial.
Moda nos anos 1990, quando surgiu como febre, as mensagens ao vivo são só um dos exemplos de setores que têm “ganhado” com a pandemia do novo coronavírus. Serviços de serenatas, telemensagens, fornecimento de cestas de café da manhã e até a jardinagem voltaram ao topo da lista dos mais vendidos em empresas especializadas.
Até quem estava desempregado tem tirado o sustento dessa nova fase. É o caso do ferramenteiro Robson Sarabia, de Curitiba (PR), que depois de não conseguir se recolocar no mercado devido à crise, transformou o hobby do saxofone em trabalho. “Quando fiz a primeira apresentação, saiu todo mundo na janela, foi muito bonito, e dali surgiram mais cinco”, conta.
Os shows “particulares”, que podem ser contratados por R$ 200, duram cerca de 40 minutos e têm garantido a renda da família do músico, incluindo esposa e três filhos. Para Sarabia, além do sustento, o novo trabalho também ressignificou o papel da música na sua vida.
“Quando se fala de música, as pessoas pensam em festa, em que o músico passa despercebido e o sentimento que ela passa fica adormecido. Com essa situação [de afastamento], a música tem o poder de trazer um dia melhor. Ver essa reação é importante, perceber que a minha música conseguiu levar certa liberdade para um mundo abatido e preso”, diz.
O sentimento de liberdade descrito pelo músico é o que levou a dentista Simone Ambrosio Veira a contratar a serenata para homenagear a mãe, Mathilde, que completou 86 anos na última semana. “Festeira e viajante”, como descreve a filha, a idosa andava melancólica com a solidão proporcionada pelo isolamento e se emocionou com o evento. Carregando faixas e balões, amigos da família participaram da festa na calçada da casa, respeitando a distância.
“Deixou todo mundo longe dessa tristeza, da preocupação com a doença, com o desemprego. Foi um dia em que todo mundo teve que ajustar seus horários para se encontrar em frente à nossa casa, quebrando a rotina, e todos saímos leves”, conta Simone.
A prefeitura de Canoas (RS) também resolveu investir na serenata para homenagear as mães que estão em isolamento em lares para idosos da cidade. No sábado (9), artistas voluntários vão promover apresentações em cinco entidades de acolhimento do município. A data, celebrada no domingo (10), também ajuda no sucesso de outros presentes alternativos.
“A moda do momento são as carreatas, seja para chá de bebê ou para o dia das mães”, conta Mevelin Pinheiro Galdino, dona de uma empresa do ramo em Colombo, região metropolitana de Curitiba. Ela explica que a procura pelas mensagens ao vivo aumentou 80% e que até a metade da semana tinha 27 homenagens agendadas só para mães. A “visita” custa R$ 120.
Ela também trabalha com entrega de cesta de café da manhã e telemensagens -homenagens por ligações telefônicas —, serviços que também estão em alta com o isolamento. “Estamos fazendo muitas mensagens para demonstrar saudade, para saber como a pessoa está”, diz.
A média de áudios entregues, que era de cinco por dia, dobrou (para o dia das mães, a empresária tinha 240 agendados). As cestas de café acabaram já na metade da semana. O crescimento é tamanho que Mevelin avalia contratar mais um funcionário para a empresa. Hoje, são quatro pessoas trabalhando, incluindo o marido da empresária.
As cestas de café devem ajudar a salvar a baixa nas vendas presenciais das padarias e confeitarias que oferecem o serviço. Na capital paranaense, a Empório Kaminski deve entregar 500 encomendas para o dia das mães, mais que o dobro de cestas vendidas no ano passado.
“Não vou dizer que equilibrou totalmente, mas deu uma compensada legal nas vendas das lojas”, conta o responsável pelo núcleo de entregas da padaria, Rafael de Oliveira.
Novos hobbies — ou tentativas de aprendizado — motivados pela quarentena também têm ajudado alguns setores, como das floriculturas. Apesar da queda nas vendas em geral, a Ópera Garden, também de Curitiba, tem recebido mais encomendas para serviços de jardinagem, como de terra e adubo. “Os clientes presos em casa relatam que estão procurando fazer alguma coisa, e mexer com planta é terapia”, aponta o gerente da empresa, José Almeida.