Maria Paula Vieira, 28, é fotógrafa e jornalista. Quando estava no ensino médio, precisou estudar de maneira remota depois de ser diagnosticada com uma síndrome neurológica não identificada que fez com que ela perdesse mobilidade ao longo do tempo.
“Começou aos três anos de idade, quando ainda estava na pré-escola, e com o tempo comecei a sentir muita dor. No ensino médio, eu já utilizava apenas a cadeira de rodas”, explica.
“Por conta das dores, e também por falta da acessibilidade da escola, eu passei a estudar em casa”, explica Maria.
Para isso, ela se valeu de um dispositivo legal chamado de regime domiciliar, hoje só permitido a estudantes que comprovem ter algum impedimento prolongado, como uma deficiência ou internação hospitalar que impeça a ida à escola. Nessa modalidade, a escola tem que enviar exercícios para serem feitos em casa pelo aluno e acompanhar seu progresso.
Ainda que boa parte dos alunos tenha estudado remotamente nesses últimos 16 meses de pandemia, a experiência de quem já estudou por períodos prolongados em casa é relevante nesse momento em que o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) tenta fazer avançar a pauta do ensino domiciliar.
A pauta é a única prioridade legislativa do governo Jair Bolsonaro na área de educação neste ano, o que tem sido criticado por especialistas por conta da pouca relação com os grandes desafios da educação brasileira.
Trata-se de uma reivindicação histórica de grupos religiosos. Por isso, o governo quer, com a aprovação, dar um aceno à sua base de apoio guiada por princípios cristãos e ideológicos.
Projeto de lei que regulamenta a prática tramita pela Câmara dos Deputados – o texto prevê regras como a realização de avaliações anuais.
O Ministério da Educação vem se manifestando de maneira favorável a que estudantes com ou sem deficiência possam fazer uso da modalidade. A pasta tornou pública essa posição no dia 14 de maio, quando foi realizada uma audiência pública na Câmara que teve como tema a educação inclusiva na ótica do ensino domiciliar.
Na ocasião, as funcionárias do ministério Nídia Regina Limeira de Sá e Linair Moura Barros defenderam a prática. Na audiência, Nídia disse que o MEC é favorável a que as pessoas com deficiência possam ter a possibilidade de estudar em casa. “Já existem famílias educadoras que têm excelentes trabalhos com crianças com deficiência”, disse.
Ela, que afirmou ser mãe de uma pessoa surda que hoje tem 30 anos, reconheceu que a filha estudou durante a maior parte do tempo em escolas regulares. Mas destacou que muitas vezes faltavam intérpretes de Libras (Lingua Brasileira de Sinais) e professores qualificados para lidar com estudantes com alguma deficiência.
Na ocasião, a servidora também defendeu que os estudantes que optem pela modalidade de ensino domiciliar e tenham alguma deficiência possam utilizar os espaços das escolas públicas destinados ao apoio educacional de crianças com deficiência. As chamadas salas de recurso multifuncionais foram criadas para dar apoio aos estudantes com alguma deficiência, que geralmente, as frequentam no contraturno escolar.
Os ministérios da Educação e da Mulher, Família e Direitos Humanos defendem o modelo de educação domiciliar. Apesar de dizer que, caso regulamentada, a prática será permitida para todos que optarem por ela, órgãos do governo que são favoráveis à liberação vêm utilizando argumentos relacionados às pessoas com deficiência para sensibilizar congressistas.
A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, já declarou em entrevistas que pais de crianças com deficiência e autismo querem que os filhos estudem em casa porque “não estão se adaptando à escola”.
A educação domiciliar atende cerca de 15.000 estudantes de 4 a 17 anos, segundo estimativas de associações que defendem a prática. Não há estimativa que leve em consideração apenas os estudantes com deficiência.
Maria, entretanto, diz que o fato de ter estudado em casa lhe trouxe problemas, sobretudo na socialização. “Por ter feito o ensino médio todo de casa, eu não fiz nenhum amigo naquela época. São todos da época da faculdade. E por conta da falta de socialização, também fui ficando muito tímida, e só consegui resolver isso com terapia”, afirma.
Rodrigo Mendes, 49, presidente de instituto que leva seu nome e que milita pela inclusão das pessoas com deficiência na escola, diz que o argumento de que a educação domiciliar pode beneficiar as crianças com deficiência é utilizado por “pessoas que não conhecem educação”.
Ele também acredita que a medida configura mais um ataque do Ministério da Educação às políticas de educação inclusivas, que defendem que crianças com e sem deficiência estudem no mesmo espaço.
“Já tivemos um decreto que privilegiava as escolas especiais em detrimento das escolas regulares, e que no final do ano passado, foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal. Nenhum outro governo atacou a política de inclusão como esse”, disse ele, participou da audiência pública, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo. Desde a Constituição de 1988, é garantido às pessoas com deficiência que sejam inseridos na rede regular de ensino, com atendimento especializado quando necessário.
Maria Paula diz acreditar que, se as pessoas com deficiência passarem a estudar em casa, será uma forma de exclusão dessa parcela de estudantes. “Quanto mais uma criança conviver com um colega com deficiência, mais fácil será que ela compreenda a diversidade”, diz ela.