Após dois trimestres no negativo, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil saiu da recessão técnica, cresceu 0,5% nos últimos três meses de 2021 e fechou o ano passado em alta de 4,6%. De acordo com os resultados divulgados nesta sexta-feira (4) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em valores correntes a economia nacional atingiu a marca de R$ 8,7 trilhões no período.
Apesar do desempenho, segundo analistas, os dados foram construídos sobre uma base de comparação deteriorada pelos efeitos da pandemia em 2020, sobretudo nos segmentos da industriais e de serviços. Por essa razão, o economista-chefe da CDL Porto Alegre, Oscar Frank, explica que é preciso cautela nas avaliações.
Isso ocorre porque, segundo ele, mesmo com um percentual expressivo, quando são avaliados os últimos nove meses – do segundo ao quarto trimestre do ano passado – o crescimento é de apenas 0,1%. De acordo com Frank, o fato sinaliza que o país enfrenta dificuldades para sustentar crescimento sólido posterior ao período mais crítico da covid-19.
Ao considerar janela mais abrangente, o PIB nacional ainda está 2,8% abaixo do patamar verificado entre janeiro e março de 2014, o pico da série histórica. A constatação aponta, segundo Frank, para quase oito anos em situação de estagnação.
— Essa análise reflete as causas mais estruturais e as razões pelas quais não conseguimos avançar em termos de crescimento e, ao mesmo tempo, também observamos a produtividade dos trabalhadores praticamente estacionada há quatro décadas — resume.
Na mesma linha, a economista-chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo, comenta que na comparação entre o quarto trimestre de 2019, ano anterior à pandemia, e os últimos três meses de 2021, a alta é de somente 0,5%. Significa, diz, que em dois anos o avanço foi quase nulo, o que também gera consequências para o PIB per capita (renda nacional dividida pelo número de habitantes) – que após cair 4,6% em 2020, agora, sobe apenas 3,9% e afeta em cheio o poder de compra das famílias.
— O ano passado existiu para pagarmos a conta da pandemia. Levamos dois anos para avançar 0,5% sobre o último trimestre de 2019. Sendo assim, o PIB demonstra que conseguimos pagá-la, mas, por outro lado, o PIB per capita confirma que, como sociedade, saímos muito mais pobres desse processo — argumenta Patrícia.
Setores
Entre as performances setoriais, o ano passado foi influenciada pelas altas de 4,5% na indústria e de 4,7% nos serviços. Nesse aspecto, a indústria cresceu sobre uma base corroída pelas medidas restritivas impostas ao setor em 2020.
De acordo com o economista-chefe da Fiergs, André Nunes de Nunes, em razão deste contexto, as taxas elevadas na comparação anual já eram esperadas. Por outro lado, quando observa a queda de 1,2% na relação com o terceiro trimestre de 2021 – a terceira consecutiva na margem -, afirma que a situação não é nada favorável, com destaque para a baixa de 2,5% na indústria de transformação.
— No agregado temos crescimento forte, mas a desaceleração preocupa. No contexto, a indústria avança 4,5%, recupera a perda de 3,4% em 2020, mas encerramos o ano 12,3% abaixo do pico registrado em 2013, o que significa que o setor anda de lado há muito tempo, e esse é um parâmetro relevante — lamenta.
O destaque positivo fica por conta da construção. Após queda de 6,3% em 2020, o segmento apresentou alta de 9,7% no ano passado, acompanhada de 13,5% de incremento na taxa de ocupação. Isso significa que o desempenho está associado com a geração de novos postos de trabalho.
Outro aspecto em evidência é o investimento, ou a chamada formação bruta de capital, que fechou o ano com fatia de 19,2% no PIB, após alta de 17,2% em 12 meses. Conforme o economista da Fiergs, o fator foi determinado, principalmente, pelos aportes em construção e na indústria de máquinas e equipamentos.
— É crucial para a percepção de longo prazo. Esse foi o maior patamar desde 2015 e é um indicador que baliza o crescimento para o futuro — pontua.
Já o setor de serviços apresentou crescimento de 0,5% no quarto trimestre e encerrou o ano em alta de 4,7%. De acordo com a economista da Fecomércio-RS, existe um comportamento padrão para este segmento, que apresenta resultados ampliados em razão das melhoras recentes nos quadros sanitários.
Agro
Na contramãos dos demais setores, a agropecuária não sofreu diretamente os impactos da covid-19 em 2020. Pelo contrário, foi beneficiada pela elevação do dólar e dos preços internacionais das commodities agrícolas no período. No fechamento do ano passado registrou queda de 0,2%.
Diferentemente do PIB da indústria e dos serviços, o agronegócio registra essa leve contração sobre uma base forte, reforçada pela alta de 5,8% na comparação entre o terceiro e o quarto trimestre do ano passado. A justificativa para queda no acumulado do ano passado passa pela baixa produtividade de cana de açúcar, milho, café e pecuária, principalmente na cadeia do leite.
Segundo o economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz, para a entidade que trabalhava com a projeção de alta fixada em 4,3% para o PIB, o resultado do PIB veio pouco acima do esperado. Além disso, comenta, mesmo com a saída da recessão, o desempenho de 2021 não habilita o país projeções mais otimistas para 2022.
— Vínhamos de dois semestres consecutivos de queda e, agora, o Brasil saiu da zona de recessão. Não significa que a economia esteja bombando. É, sim, um passo importante, mas não nos credencia a avaliações menos pessimistas para este ano — conclui.