Crescem as ameaças do novo Governo da Itália no campo migratório. O Ministério do Interior comunicou neste domingo, de maneira não oficial, que fechará seus portos ao barco Aquarius, com 629 migrantes a bordo (123 menores) resgatados no Mediterrâneo. A decisão, sem precedentes, foi adotada conjuntamente com o ministro da Infraestrutura, Danilo Toninelli, e pretende pressionar Malta para que se encarregue do navio. Um porta-voz maltês rejeitou essa opção pouco depois, abrindo um conflito entre ambos os países que pode levar a uma crise humanitária.
A mudança de rumo político chegou à Itália, e as promessas eleitorais do novo Governo — da Liga Norte e do Movimento 5 Estrelas (M5S) — começam a se realizar. O novo ministro do Interior e líder da xenófoba Liga, Matteo Salvini, ameaçou neste domingo fechar os portos do país ao Aquarius, que havia resgatado, na noite de sábado para domingo, os migrantes provenientes do norte da África.
Mas o anúncio não foi oficial. Ninguém quer deixar por escrito uma decisão de legalidade duvidosa. Uma das assessoras de comunicação de Salvini ligou primeiro para os jornais italianos, informando a decisão para que fosse publicada e, dessa forma, exercesse pressão sobre Malta. Depois o próprio Salvini, de modo confuso, afirmou em sua conta do Facebook que a Itália muda sua estratégia nesse campo: “A partir de hoje, dizemos não ao tráfico de pessoas.” Logo em seguida, agregou uma foto sua com a hashtag #fechemososportos. Os funcionários do Ministério do Interior não desmentiram as informações publicadas, mas tampouco quiseram comentar a medida a este jornal.
A realidade é que, tal como havia sinalizado nos últimos dias, Salvini exigiu neste domingo que Malta permitisse que o barco da ONG atracasse em seu território. Mas a resposta de La Valeta (Malta), que sempre reage do mesmo modo, ignorando os tratados internacionais e rejeitando a maioria das embarcações das ONGs, apesar de ser considerada um porto seguro, chegou pouco depois, através de um veículo local. “O caso não é da nossa competência. O resgate ocorreu em zona líbia de busca e foi coordenado pelo centro de socorro de Roma. Malta nem coordena nem tem competência.”
O navio de resgate, que zarpou de Catânia (Sicília) na sexta-feira, viveu neste domingo uma intensa madrugada, com vários resgates em frente à costa da Líbia. Até 229 pessoas tiveram de ser socorridas por dois botes no meio da noite. Uma das embarcações partiu, e 40 migrantes foram retirados da água por colaboradores das organizações Médicos Sem Fronteiras e SOS Mediterranée. Outros 400 resgatados foram levados por barcos mercantes e da Marinha Italiana.
O conflito aberto pela Itália, que já conseguiu frustrar a reforma do Regulamento de Dublin e ameaça expulsar 500.000 imigrantes irregulares, tenta agora pressionar a União Europeia (EU) para que a alivie do peso dos últimos tempos: 630.000 desembarques em cinco anos. E, de quebra, colocar em evidência a política de Malta de não se encarregar dos problemas. “O bom Deus os colocou mais perto que a Sicília, e eles não podem responder sempre ‘não’ a qualquer tipo de intervenção para salvar no Mediterrâneo ou acolher imigrantes”, afirmou Salvini, também vice-primeiro-ministro, na sexta-feira passada, num ato no município de Como, na Lombardia.
O sinal de rejeição não é novo: 467 migrantes chegaram no sábado a portos italianos. Entre eles, os 232 resgatados pela ONG alemã Sea Watch que chegaram a Reggio Calabria depois de quatro dias no mar, e após as autoridades de Malta lhes negarem o desembarque. Finalmente, a Itália aceitou acolhê-los. Desta vez, porém, o tom da ameaça subiu. “Estou trabalhando para recuperar sete anos de atrasos, de boas intenções e correção política. Nosso objetivo é reduzir os desembarques e aumentar as expulsões. Não vamos passar outro verão com desembarques”, declarou Salvini no sábado.
Um país pode rejeitar um barco?
O Governo italiano poderia negar um desembarque. Mas a responsabilidade recairia sobre o ministro da Infraestrutura, não o do Interior. O problema é que rechaçar um barco que acaba de socorrer pessoas, cujas vidas corrias perigo, poderia ser uma violação dos artigos 2 e 3 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Dois pontos que exigem a prestação de assistência a indivíduos que necessitem de tratamento médico ou artigos de primeira necessidade, como comida, água e medicamentos. Rejeitar o barco sem cumprir esses requisitos violaria também a proibição de expulsões coletivas.
Fonte: El País