Desde pequeno que tenho uma ligação com a vida do campo, pois bons e memoráveis momentos de minha infância foram vividos no sítio de propriedade de meus avós maternos. Não chegava a ser o engenho “Santa Rosa,” onde o “Menino de Engenho” Carlinhos, viveu sua infância sob a proteção do seu avô José Paulino, mas foi um espaço onde aprendi os conceitos de sociabilidade e fraternidade, que muito me servem até hoje. Minha avó, já viúva, deixava transparecer que tudo existente em seu humilde sítio era disponível aos presentes, desde as refeições até os poucos bens materiais.
Foi jogando peteca feita com palha de milho e pena de aves, subindo nas árvores para comer as frutas, montando e alimentando os animais, correndo entre os leirões de milho, batata doce e macaxeira, pendurando-se nas porteiras, tomando banho com água da cacimba, contemplando os pássaros e saboreando a comida rural, sempre preparada por minha avó, Severina Maria da Conceição, chamada por nós de “Mamãe Senhora”, que vivenciei parte de minha inesquecível infância.
Quanto a este tratamento de “Mamãe Senhora”, eu confesso que até hoje não entendi o propósito de chama-la assim. Bem humorada e disposta, sempre usando um lenço branco amarrado na cabeça e um vestido comprido de manga três quarto de tonalidade escura, estava ela, ao lado do seu velho fogão à lenha, construído em um recanto da casa, próximo a uma pequena janela – destinada a ventilar o pequeno cubículo que servia como cozinha – preparando a nossa alimentação.
Sem exagero nos condimentos, utilizando-se das ervas e hortaliças que ela mesma cultivava, cozinhava a mais gorda galinha de sua criação, tendo como acompanhamento o feijão macáçar e arroz da terra, além da salada de verduras. É claro que não faltava a farinha de roça e rapadura como sobremesa.
Com suas mãos suaves sobre as minhas, um olhar profundo carregado de mansidão e voz serena dizia para minha mãe: “esse menino se criou, cresceu e está se tornando rapaz, como o tempo passa rápido”. Eu era um menino com 12 anos de idade.
Sempre na companhia de minha mãe, minhas primas Miriam e Betinha, o domingo era o dia preferido para visitar nossa avó, que alternadamente eu dividia com as idas ao estádio Silvio Porto, para assistir o Guarabira Esporte Clube jogar na companhia do meu pai. O pequeno sítio de minha avó Severina, está localizado na comunidade Pedro Viera, município da singela cidade de Pilõezinhos, terra do poeta José Camelo de Melo Rezende, autor do emblemático folheto de cordel intitulado “Pavão Misterioso”, do historiador Moacir Camelo, do poeta Aroldo Camelo, das famílias Mendes, Azeredo, Alves, Clementino, Correia, Camelo, Melo, Santos e Silvas.
A viagem, ou melhor, a caminhada era lúdica e deslumbrante, desde sua origem na Rua São Manoel – Guarabira – até chegar ao terreiro da casa de minha avó em Pilõezinhos, passando pelo sítio Lages, reserva natural das cacimbas às margens da estrada. Era água de beber ainda sem poluição, bem azulzinha, assim como a cor do céu. Mesmo se fossemos todos os domingos, ainda assim, nada seria igual, tudo tinha movimento e cor diante do meu olhar. A estrada de barro em toda sua extensão era ornamentada por rico e diversificado arvoredo frutífero, legítima característica de mata brejeira, tendo como moldura uma hidrografia exuberante, protagonizada pelo som das águas das pequenas cachoeiras do Rio Pilõezinhos, que por muitas vezes me banhei.
Tenho visitado muito pouco a casa de Mamãe Senhora, ainda com características do tempo passado – portas largas, muitas janelas e um corredor comprido nos dando acesso ate a cozinha – talvez pela ausência do som terapêutico das águas do Rio Pilõezinhos, que corre clamorosamente em meio aos dejetos despejados pelas residências construídas ás suas margens e produtos químicos aplicado ás plantações ribeirinhas, talvez por não mais encontrar as pequenas cacimbas de água de beber, azul e límpida, encravadas ao pé da serra do povoado Lages, talvez pela tristeza de não mais encontrar fruteiras viçosas á margem da estrada, talvez pelas mudanças inevitáveis que os anos irremediavelmente nos impõem, talvez pela saudade imposta pelo tempo, de todas as pessoas amadas e queridas que já morreram.
E, com certeza por muita saudade, muita, muita saudade de vovó Severina, a Mamãe Senhora.