A extrema pobreza cresceu em todo o país durante a crise, de 2014 a 2017, mas foi na região historicamente mais carente, o Nordeste, em que essa piora se deu de forma mais intensa. Estados como Bahia, Piauí e Sergipe viram dobrar ou quase dobrar o número de famílias vivendo na miséria. No Norte, o Acre chamou atenção pela rápida piora nesses quatro anos.
Levantamento da consultoria Tendências, obtido pelo Valor, mostra que, das 27 unidades da federação, 25 tiveram piora da miséria entre 2014 e 2017. Nove Estados atingiram um nível recorde no ano passado. Na média nacional, a pobreza extrema avançou de 3,2% em 2014 para 4,8% em 2017, maior patamar em pelo menos sete anos, conforme dados da consultoria.
Dos dez Estados com maior proporção de famílias vivendo em situação de miséria no país, oito ficam no Nordeste, dos quais sete tiveram o candidato do PT, Fernando Haddad, como líder de votos válidos no primeiro turno da corrida presidencial. Dois tiveram liderança de Jair Bolsonaro (PSL), no Norte. E o Ceará votou em Ciro Gomes (PDT).
São consideradas em situação de extrema pobreza as famílias com renda domiciliar per capita abaixo de R$ 85 no ano passado. Esse foi o critério da consultoria, baseado no Plano Brasil Sem Miséria, definido por decreto em 2016 – referência do Bolsa Família. Existem outros critério de corte da miséria, nenhum considerado oficial. Por exemplo, o Banco Mundial usa uma linha de US$ 1,90 por dia.
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O Maranhão segue liderando o ranking de extrema pobreza do país. E tem sido assim há pelo menos sete anos, início da série histórica levantada pela consultoria. Do total de famílias maranhenses, 12,2% viviam com menos do que R$ 85 por pessoa no ano passado. Quatro anos antes, o indicador era de 8,7%.
Foi na Bahia, porém, que a miséria cresceu mais rapidamente. A proporção de famílias nessa situação dobrou em quatro anos – de 4,8% em 2014 para 9,8% no ano passado. Desta forma, o Estado, que tem a maior população do Nordeste e a quarta maior do país, escalou da 12ª para a terceira posição no ranking.
Além do Maranhão e da Bahia, Sergipe chamou atenção por ter também mais do que dobrado o percentual de famílias vivendo na pobreza extrema – de 4,1% em 2014 para 8,9% no ano passado, saltando da 13ª para a sexta posição do ranking. Haddad liderou a votação nesses três Estados nordestinos, com mais de 50% dos votos válidos.
Segundo Adriano Pitoli, diretor da consultoria Tendência, a piora da pobreza no Nordeste reflete tanto as particularidades da região quanto a crise do país, que afetou o emprego especialmente de setores que ocupavam mão de obra de menor qualificação, como comércio e serviços.
O economista explica que, de 2004 a 2013, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu 4% em média ao ano. Nesse período, a renda das famílias cresceu 5,8%, e as vendas do varejo, ainda mais, em 8,1% ano. Esse boom de consumo gerou empregos no comércio e no serviços. “O Bolsa Família e o reajuste do salário mínimo podem ter ajudado, mas a redução da pobreza se deu pelo emprego nesses setores. Esses empregos foram, inclusive, os que mais sofreram durante a crise e que agora começaram a se recuperar”, disse.
A piora acentuada no Nordeste também foi explicada pelo fim de um ciclo de investimentos e direcionamento de recursos públicos para a região. Com a crise fiscal do país, o Nordeste passou a receber menos estímulos estatais, como as grandes obras de infraestrutura, de refinarias a estaleiro. Existiria, portanto, uma “ressaca” econômica local.
O comportamento do eleitor foi diferente, porém, na região Norte, onde a população do Acre viu a miséria dobrar em quatro anos. A proporção de famílias na pobreza extrema passou de 5,3% em 2014 para 10,9% no ano passado. Desta forma, o Estado, que tem metade da população na capital Rio Branco, escalou da décima para a segunda posição no ranking. Quem teve mais votos por lá foi Bolsonaro, com preferência de 62,24% do eleitorado.
O Estado do Acre também tem suas particularidades. A mais evidente é a dependência extrema da renda do setor público. Nos cálculos da Tendência, 44% da massa de rendimentos da região é originada pelo setor público municipal, estadual ou federal. É mais do que o dobro do visto na média nacional (20%). “Como a crise fiscal bateu duro, a recessão bateu duro, isso pode ter influenciado a região. São Estados muito dependentes do setor público”, diz Pitoli.
Curiosamente, os dois Estados que escalaram mais rapidamente posições no ranking – Bahia e Acre – são governados pelo PT há, pelo menos, mais de um década. O Acre é comandado pelo petista Tião Viana – que não conseguiu eleger seu sucessor no segundo turno. A Bahia, por sua vez, pelo petista Rui Costa, reeleito em primeiro turno pelos eleitores no domingo.
Os Estados da região Sul seguem destaques positivos, apesar da piora. Em Santa Catarina, 1,8% das famílias viviam em situação de miséria. No Paraná, eram 2,5%. Também destaca-se o Distrito Federal, unidade da federação de maior renda domiciliar do país, com 2,4% das famílias em pobreza extrema.
O Estado do Rio estava nesse “piso” do ranking em 2014, quando apenas 1,4% das famílias viviam com menos do que R$ 85 per capita. Desde então, a pobreza extrema mais do que dobrou em território fluminense, chegando a 3,5% em 2017. O Estado do Rio permanece, contudo, com proporção melhor do que a média nacional no período.
O rápido crescimento da miséria no Rio está relacionado ao ciclo de céu e inferno vivido pelo Estados nos últimos anos. Em 2014, a cidade vivia a euforia dos preparativos para grandes eventos esportivos, investimentos ainda massivos da Petrobras e elevada arrecadação de royalties de petróleo. Em 2016, decretou calamidade financeira.
Dois Estados exibiram queda da pobreza extrema de 2014 para 2017: Paraíba (de 6,4% para 5,7%) e Tocantins (de 5,4% para 4,3%). O movimento neste caso pode estar mais ligados a fatores de amostragem.
Para chegar aos percentuais, a consultoria usou estatísticas sobre a renda de todas as fontes (salários, aluguéis, aposentadorias) de pesquisas domiciliares do IBGE, a Pnad e a Pnad Contínua. Por terem amostragem e metodologias diferentes, as pesquisas precisaram ser harmonizadas. Desta forma, a consultoria não obteve quantitativos de famílias.
Para Pitoli, a recuperação do emprego neste ano, ainda que em ritmo lento, pode contribuir para reduzir a proporção de famílias vivendo da pobreza, após três anos de crescimento. Ele prevê um aumento de 1% da população ocupada (empregados, empregadores, contas próprias) neste ano, frente a 2017. Com Valor Econômico.
Fonte: paraiba.com.br