Diretores de empresas devem ser responsabilizados criminalmente pelo suicídios de funcionários que alegaram excesso de pressão e assédio no ambiente de trabalho como motivos para se matar?
Essa é a pergunta que a Justiça francesa terá que responder no julgamento de sete ex-executivos da France Télécom acusados de assédio moral, num caso que levou ao suicídio de 35 funcionários da empresa entre 2008 e 2009. Após dois meses de oitivas de testemunhas e acusados, a França agora aguarda a sentença.
A decisão pode abrir precedentes no país e gerar uma discussão internacional sobre o assunto.
Cartas de suicídio
Em vários casos, as vítimas claramente culparam a empresa pelo seu desespero e opção pelo suicídio. Num e-mail de despedida ao pai, uma mulher de 32 anos disse que não queria trabalhar com o novo chefe. Ela se jogou do quinto andar do prédio corporativo, na frente dos colegas de trabalho.
Antes de se matar, um homem de 51 anos de Marselha deixou uma nota de suicídio acusando seus chefes de “gerir pelo terror”. “Eu estou me matando por causa do meu trabalho na France Télécom”, escreveu. “É o único motivo”.
Embora especialistas digam que as razões para um suicídio são complexas e, muitas vezes, múltiplas, os promotores franceses pediram a condenação dos executivos da France Télécom.
Se condenados, eles podem enfrentar um ano de cadeia e pagar, cada um, multa de US$ 16.800 (cerca de R$ 63,1 mil). A empresa, que foi rebatizada de Orange, poderá ter que pagar multa de US$ 84.000 (R$ 315,5 mil).
‘Assédio institucionalizado’
O ex-CEO da France Télécom Didier Lombard, o seu sub Luis-Pierre Wenàs e o diretor de Recursos Humanos Olivier Barberot são acusados de promover um sistema de “assédio moral institucionalizado” que teria como objetivo forçar funcionários a pedirem demissão.
Em 2005, eles decidiram reduzir o tamanho da empresa, cortando 22 mil postos (quase 20% da força de trabalho da companhia) em três anos, e treinando outros 10 mil funcionários.
Mas os executivos não conseguiram demitir grande parte dos empregados, porque eles eram funcionários públicos quando a empresa deixou de ser estatal para ser privatizada em 2004. Esses funcionários contratados quando a companhia era pública têm estabilidade garantida por lei.
Diante da impossibilidade de demissão, os executivos decidiram “tornar a vida dos empregados intolerável”, disseram os promotores do caso.
Lombard teria dito numa reunião de gerentes em 2006 que ele “faria as pessoas saírem de um jeito ou de outro, pela janela ou pela porta”. Durante o julgamento, ele negou ter falado isso.
Em 2002, uma lei sobre assédio moral introduziu o conceito de “saúde física e mental” na legislação trabalhista francesa. É com base nessa lei que os diretores da France Télécom estão sendo processados.
“Não há dúvida de que, ao reestruturar a empresa, com grandes cortes de empregos e transferências, os gestores sabiam que estavam desestabilizando seus funcionários”, disse a promotora Françoise Benezech, durante o julgamento.
‘Julgamento histórico’
A advogada da France Télécom, Claudia Chemarin, argumentou que as evidências não provam que qualquer das vítimas tenha sido intencionalmente assediada e fez um apelo para que os juízes analisem o caso de maneira “objetiva”.
A sentença tem potencial para gerar amplo impacto na França e no exterior. Esse é o primeiro caso em que promotores públicos entram com ações contra uma empresa pelo suicídio de funcionários.
“É um julgamento criminal histórico”, disse à BBC a professora Sarah Waters, da Universidade de Leeds, no Reino Unido. “Abre um precedente internacional ao fazer com que os chefes da France Télécom sejam pessoalmente responsabilizados criminalmente por pressionar seus empregados a tirar as próprias vidas.”
“Esse julgamento tem grande implicação para outras corporações do mundo todo, que terão que prestar mais atenção à proteção da saúde mental e do bem-estar de seus funcionários.”
Um estudo de 2016 da professora Sarah Waters diz que o suicídio no ambiente de trabalho se tornou “uma preocupação social urgente no cenário internacional”, com aumento no número de empregados que culpam as pressões no trabalho ao se suicidarem.
Estudos recentes feitos nos Estados Unidos, Austrália, Japão, China, Índia, Coreia do Sul e Taiwan relacionam o fenômeno à deterioração das condições de trabalho, instabilidade dos empregos, exaustão e estafa – o esgotamento por excesso de trabalho foi reconhecido pela Organização Mundial da Saúde como uma condição médica em maio deste ano.
Num editorial de 2017, a prestigiada revista médica The Lancet diz que o esgotamento entre médicos alcançou “proporções epidêmicas” no Reino Unido, enquanto nos Estados Unidos a condição é apontada como responsável pela taxa de suicídio de 400 médicos por ano – mais que o dobro da média de suicídios da população americana.