Os Estados Unidos aboliram a escravidão há 157 anos — ou seja, desde então, nenhuma pessoa pode ser propriedade legal de outra. Mas uma exceção permaneceu: os prisioneiros condenados.
Na maior parte dos Estados Unidos, a escravidão ainda é legal quando adotada como pena para um crime.
Mas, nas eleições de 8 novembro, eleitores de cinco Estados — Alabama, Louisiana, Oregon, Tennessee e Vermont — decidirão pela eliminação ou não dessas exceções nas suas constituições estaduais, em uma tentativa de proibir totalmente a escravidão.
O resultado poderá permitir que os prisioneiros contestem o trabalho forçado. Atualmente, cerca de 800 mil prisioneiros trabalham por centavos, ou sem pagamento. Sete Estados não pagam salários para os trabalhadores nas prisões pela maioria dos trabalhos exigidos.
Os apoiadores da mudança afirmam que esta é uma brecha para a exploração que precisa ser fechada. Já os críticos argumentam que é uma mudança insustentável, que pode gerar consequências indesejadas para o sistema de justiça criminal.
‘Trabalhei por 25 anos e voltei para casa com 124 dólares’
As raízes do sistema moderno têm origem nos séculos de escravidão dos afro-americanos, segundo pesquisadores dos direitos humanos.
Curtis Ray Davis II escreveu um livro sobre sua experiência na penitenciária ‘Angola’, na Louisiana. — Foto: Curtis Ray Davis
Nos anos que se seguiram à abolição da escravatura, foram aprovadas leis especificamente destinadas a reprimir as comunidades negras e levá-las à prisão, onde os detentos seriam forçados a trabalhar.
Atualmente, existem prisioneiros negros americanos que ainda são forçados a colher algodão e outros produtos nas plantações do sul, onde seus antepassados foram mantidos acorrentados.
“Os Estados Unidos da América nunca tiveram um dia sem escravidão legal”, afirma Curtis Ray Davis II, que passou mais de 25 anos em trabalhos forçados em uma prisão da Louisiana por um assassinato que não cometeu, até o seu indulto, em 2019.
Davis teve uma série de trabalhos na conhecida Penitenciária Estadual de Louisiana, apelidada de “Angola”, nome do país de onde foram trazidos muitos dos africanos escravizados na região.
“Trabalhei por 25 anos e vim para casa com 124 dólares [cerca de R$ 627]”, afirma Davis. Ele nunca recebeu mais de US$ 0,20 (cerca de R$ 1) por hora de trabalho, o que, segundo ele, era feito “contra a minha vontade e sob a mira de uma arma”.
Cerca de 75% dos prisioneiros na penitenciária eram negros, segundo o Projeto Inocência, um grupo que trabalha para libertar prisioneiros inocentes que foram condenados. O grupo afirma que em “Angola” a escravidão americana nunca acabou.
Alguns Estados já aprovaram medidas para acabar com todas as formas de escravidão. — Foto: Getty Images via BBC
“A escravidão foi abolida, mas, na verdade, foi apenas uma transferência de propriedade da escravidão legal e da propriedade privada para a escravidão literalmente sancionada pelo Estado”, afirma Savannah Eldrige, da Rede Nacional para a Abolição da Escravatura.
A organização vem trabalhando para ampliar o número de Estados que proíbem a escravidão sem exceções e vem tentando convencer os legisladores na capital americana, Washington, a aprovar uma lei similar alterando a constituição dos Estados Unidos.
Desde 2018, os Estados do Colorado, Nebraska e Utah aprovaram medidas proibindo todas as formas de escravidão. Eldrige destaca que o movimento reuniu o apoio de democratas e republicanos. Só assim foi possível a aprovação em Utah e Nebraska, Estados dominados pelos republicanos.
Ela prevê que, em 2023, 18 legislativos estaduais votarão leis para proibir a escravidão.
‘Consequências indesejadas’
Poucos apresentaram-se contrários aos esforços estaduais para eliminar a linguagem da escravidão. Mas o movimento encontrou resistência de críticos que afirmam que seria caro demais pagar salários adequados aos prisioneiros, que eles não merecem o mesmo pagamento ou que as mudanças trariam desvantagens aos detentos.
O legislativo da Califórnia rejeitou a retirada de referências à escravidão das leis estaduais em votação em 2022, quando os democratas, incluindo o governador do Estado, alertaram que pagar aos prisioneiros o salário mínimo estadual, de US$ 15 (cerca de R$ 76) por hora, custaria mais de US$ 1,5 bilhão (cerca de R$ 7,6 bilhões).