O governo sofreu na noite desta terça-feira, 26, importante derrota após a Câmara aprovar, em dois turnos, uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que engessa parcela maior do Orçamento e torna obrigatório o pagamento de despesas hoje passíveis de adiamento, como emendas de bancadas estaduais e investimentos em obras. A votação foi um recado dos deputados para o Palácio do Planalto. Insatisfeitos com a decisão do presidente Jair Bolsonaro de não negociar com partidos, líderes de várias siglas decidiram emparedar o governo.
Em uma hora, numa votação relâmpago, os deputados aprovaram a medida em dois turnos, com ampla maioria. Para conseguirem essa rapidez, deram sinal verde a um requerimento de quebra de interstício, permitindo que o Legislativo pulasse o intervalo regimental de cinco sessões, necessários para uma PEC passar na Casa. Foram 448 votos em primeiro turno e 453 no segundo. Houve votos favoráveis até mesmo no próprio PSL, o partido de Bolsonaro. A proposta seguirá para o Senado, onde o presidente, Davi Alcolumbre (DEM-AP), já disse ser favorável ao texto.
“Não somos contra o governo. Somos a favor do Parlamento”, justificou o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO). “O governo não disse que é cada um no seu quadrado? Então, chegou a hora de resgatarmos as prerrogativas do Legislativo. Cada um faz o seu papel”, completou o deputado Elmar Nascimento (BA), que lidera a bancada do DEM.
Apenas seis deputados, entre eles a líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), e os deputados Bia Kicis (PSL-DF) e Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PSL-RJ), se posicionaram contra a PEC, que é de 2015. O revés do governo ocorreu no mesmo dia em que o ministro da Economia, Paulo Guedes, não compareceu a uma reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para debater a reforma da Previdência e horas depois de o titular da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ir à Câmara para tentar apaziguar a crise política, após o embate dos últimos dias entre Bolsonaro e o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Maia negou que a decisão de ressuscitar uma PEC de quatro anos atrás – parada desde novembro de 2015 na Câmara – fosse um “troco” no governo. “Não cabe retaliação a ninguém, pelo amor de Deus. É o Legislativo reafirmando suas atribuições. É assim em qualquer democracia do mundo.”
Em conversas reservadas, no entanto, líderes e dirigentes de partidos não escondem o descontentamento com o Planalto. Dizem que Bolsonaro colou em todos o carimbo da “velha política”, movida por cargos e emendas. A intenção é descaracterizar que a disputa se trava entre a “velha política” e a “nova política” e mostrar um embate institucional, que juntaria partidos de direita, centro e até da esquerda, como PT e PCdoB.
‘Maldades’
Na prática, a ideia dos deputados é lançar um “pacote de maldades” para deixar o Executivo refém do Congresso. A primeira medida foi aprovada nesta terça-feira com a PEC que tira o poder do governo sobre o Orçamento, mas a estratégia traçada por parlamentares prevê até mesmo restringir o poder do presidente de editar medidas provisórias.
A ordem é desengavetar projetos que estavam “adormecidos” nos escaninhos do Congresso e possam dificultar a vida do governo. Nos bastidores, o confronto já é comparado aos tempos em que o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), preso da Lava Jato, armava “pautas-bomba” contra o governo da petista Dilma Rousseff, deposta em 2016, após um processo de impeachment. Naquele período, o bloco conhecido como Centrão – composto por partidos como DEM, PP, PR, PRB e Solidariedade – dava as cartas e impunha seguidas derrotas ao Planalto.
Na noite desta terça-feira, muitos deputados do PSL não sabiam que a proposta em votação era prejudicial a Bolsonaro. O próprio Onyx foi avisado de que o assunto iria a plenário e não mostrou resistência. “Queremos construir um pacto de convivência”, disse o ministro.
“Eu estou perplexo. Muitas vezes não sei mais quem é situação e quem é oposição”, provocou o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP). “Qual é a estratégia que está por trás de ter o Orçamento engessado?”
Logo após a aprovação da PEC em primeiro turno, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, lembrou que ele e o pai foram favoráveis ao projeto em 2015. Na ocasião, os dois eram oposição ao governo Dilma. “De maneira nenhuma se trata de uma derrota do governo, mas, sim, de uma relação harmônica entre os poderes”, afirmou Eduardo.
A proposta que passou pelo crivo da Câmara, porém, também obriga o governo a aplicar 1% da receita corrente líquida em emendas coletivas. Hoje, não há na Constituição previsão de obrigatoriedade para emendas de bancada – tradicionalmente usadas como moeda de troca com o Congresso.
Equipe econômica prevê controlar só 3% dos gastos
A PEC do Orçamento impositivo aprovada nesta terça-feira pela Câmara vai amarrar ainda mais o Orçamento e elevar para 97% o grau de engessamento das contas do governo federal. A proposta também tira o pouco das despesas que ainda estão sob o controle da equipe econômica e transfere o poder de decidir sobre esses recursos para o Congresso.
Hoje o Orçamento já tem uma “camisa de força” de 93%. Ou seja, o governo só tem liberdade para manejar livremente cerca de 7% do total dos gastos.
A previsão foi feita ao Estado por um integrante da equipe econômica que acompanhou a votação e vê com preocupação a nova amarra. Com base no Orçamento deste ano, a PEC poderia carimbar mais cerca de R$ 8 bilhões para emendas de bancadas, que terão obrigatoriamente de ser executadas.
Apesar de aumentar o poder do Congresso na definição do Orçamento – como quer o ministro da Economia, Paulo Guedes –, a medida vai na direção contrária da intenção do ministro de “desamarrar” e “desvincular” as despesas do Orçamento. Isso porque o compromisso com as despesas obrigatórias, como salários e benefícios previdenciários, que já existe hoje, continuaria inalterado.
A mudança se daria no modelo de execução do Orçamento, que no Brasil é meramente “autorizativo” – a equipe econômica tem a opção de não executar todos os gastos aprovados pelo Congresso. A ideia é tornar as decisões do Parlamento sobre as despesas “impositivas” uma regra a ser seguida à risca pelo Poder Executivo.
A avaliação preliminar dos especialistas da área econômica é de que, mesmo que a PEC seja aprovada no Senado em dois turnos, a mudança não valerá para 2019, uma vez que o Orçamento para este ano já foi aprovado e está em execução.
O Orçamento impositivo só valeria para os gastos do governo a partir do próximo ano. Para isso, a mudança teria de ser incorporada à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020, que será elaborada ainda este ano. Segundo técnicos da Câmara, hoje a margem para investimentos ou outros gastos do governo está em aproximadamente R$ 65 bilhões, considerando a necessidade mínima de gastos de R$ 45 bilhões para manter o funcionamento da máquina pública.
* COLABORARAM ADRIANA FERNANDES e IDIANA TOMAZELLI
Fonte: Estadão