H\u00e1 sete anos, a dona de casa Sharol Werneck Gomes educa os filhos, que hoje t\u00eam 10 e 8 anos, em casa A experi\u00eancia come\u00e7ou com a filha que, quando tinha 4 anos e meio, foi alfabetizada em casa. \u201cEu optei, em princ\u00edpio, porque achei interessante ter essa op\u00e7\u00e3o de educar meus filhos em casa\u201d, conta. A filha chegou a ir para a escola, mas a experi\u00eancia n\u00e3o foi boa, o que fez com que Sharol tivesse mais certeza do caminho escolhido inicialmente.<\/p>\n

\u201cA professora gritava muito na sala de aula. Como estava adiantada, minha filha foi colocada como monitora, trouxe um peso sobre ela, que n\u00e3o tinha maturidade para lidar com essa situa\u00e7\u00e3o. Ent\u00e3o, ela ficou bem desgastada. E a professora ainda colocou para ajudar coleguinhas, que implicavam muito com ela. Era bem ruim, ela chorava todos os dias\u201d, diz.<\/p>\n

O filho, mais novo, nem chegou a frequentar as salas de aula. Sharol, que n\u00e3o passou por nenhuma capacita\u00e7\u00e3o formal para dar aulas, diz que est\u00e1 constantemente pesquisando e lendo sobre os melhores m\u00e9todos. \u201cEu pesquiso a base curricular para saber mais ou menos o que preciso ensinar, uso como um norte, mas n\u00e3o fico presa a ela n\u00e3o\u201d. Atualmente, ela e o marido coordenam um grupo de apoio para educa\u00e7\u00e3o familiar em Cascavel (PR), do qual participam 30 fam\u00edlias.<\/p>\n

O n\u00famero de fam\u00edlias que optam pela educa\u00e7\u00e3o em casa, pr\u00e1tica conhecida como\u00a0homeschooling<\/em>, cresce a cada ano no Brasil, de acordo com Associa\u00e7\u00e3o Nacional de Educa\u00e7\u00e3o Domiciliar (Aned). Em 2018 chegou a 7,5 mil fam\u00edlias, mais que o dobro das 3,2 mil fam\u00edlias identificadas em 2016. A estimativa \u00e9 de que hoje 15 mil crian\u00e7as recebam educa\u00e7\u00e3o domiciliar.<\/p>\n

O\u00a0homeschooling<\/em>, no entanto, n\u00e3o \u00e9 regulamentado no pa\u00eds. Um julgamento marcado para esta semana no Supremo Tribunal Federal (STF) deve trazer \u00e0 tona uma longa disputa entre pais que desejam educar seus filhos em casa e o Poder P\u00fablico, que diz que a Constitui\u00e7\u00e3o obriga a matr\u00edcula e a frequ\u00eancia das crian\u00e7as em uma escola.<\/p>\n

Desde 2015 o assunto aguarda julgamento pelo Supremo, que deve definir um entendimento \u00fanico para todos os casos desse tipo que tramitam na Justi\u00e7a brasileira, estabelecendo o que o tribunal chama de tese de repercuss\u00e3o geral.<\/p>\n

A\u00e7\u00e3o<\/strong><\/p>\n

O caso que ser\u00e1 julgado em plen\u00e1rio e servir\u00e1 de par\u00e2metro para os demais foi levado ao Supremo pelo microempres\u00e1rio Mois\u00e9s Dias e sua mulher, Neridiana Dias. Em 2011, o casal decidiu tirar sua filha de 11 anos da escola p\u00fablica em que estudava no munic\u00edpio de Canela (RS), a aproximadamente 110 km de Porto Alegre, e passar a educ\u00e1-la por conta pr\u00f3pria.<\/p>\n

Eles alegaram que a metodologia da escola municipal n\u00e3o era adequada por misturar na mesma sala alunos de diferentes s\u00e9ries e idades, fugindo do que consideravam um \u201ccrit\u00e9rio ideal de sociabilidade\u201d. O casal disse que queria afastar sua filha de uma educa\u00e7\u00e3o sexual antecipada por influ\u00eancia do conv\u00edvio com colegas mais velhos.<\/p>\n

Outro argumento foi o de que a fam\u00edlia, por ser crist\u00e3, acredita no criacionismo \u2013 cren\u00e7a segundo a qual o homem foi criado por Deus \u00e0 sua semelhan\u00e7a \u2013 e por isso \u201cn\u00e3o aceita vi\u00e1vel ou cr\u00edvel que os homens tenham evolu\u00eddo de um macaco, como insiste a Teoria Evolucionista [de Charles Darwin]\u201d, que \u00e9 ensinada na escola.<\/p>\n

Em resposta, a fam\u00edlia recebeu um comunicado da Secretaria de Educa\u00e7\u00e3o de Canela ordenando a \u201cimediata matr\u00edcula\u201d da menina em uma escola. O Conselho Municipal de Educa\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m deu parecer contra o ensino domiciliar, \u201cpor considerar que o mesmo n\u00e3o se encontra regulamentado no Brasil\u201d.<\/p>\n

O casal recorreu \u00e0 Justi\u00e7a, mas teve negado um mandado de seguran\u00e7a em primeira e segunda inst\u00e2ncias. Em sua senten\u00e7a, o juiz Franklin de Oliveira Neto, titular da Comarca de Canela, escreveu que a escola \u00e9 \u201cambiente de socializa\u00e7\u00e3o essencial\u201d e que privar uma crian\u00e7a do contato com as demais prejudica sua capacidade de conv\u00edvio.<\/p>\n

\u201cO mundo n\u00e3o \u00e9 feito de iguais\u201d, escreveu o juiz. \u201cUma crian\u00e7a que venha a ser privada desse contato possivelmente ter\u00e1 dificuldades de aceitar o que lhe \u00e9 diferente. N\u00e3o ter\u00e1 toler\u00e2ncia com pensamentos e condutas distintos dos seus\u201d.<\/p>\n

O caso seguiu at\u00e9 chegar ao STF, onde \u00e9 relatado pelo ministro Lu\u00eds Roberto Barroso.<\/p>\n

Posicionamentos contr\u00e1rios<\/strong><\/p>\n

Provocada, a Advocacia-Geral da Uni\u00e3o (AGU) disse que as normas brasileiras estabelecem que a educa\u00e7\u00e3o deve ser oferecida gratuita e obrigatoriamente pelo Poder P\u00fablico. \u201c\u00c9 muito importante destacar que a escola possibilita um aprendizado muito mais amplo que aquele que poderia ser proporcionado pelos pais, no \u00e2mbito domiciliar, por maiores que sejam os esfor\u00e7os envidados pela fam\u00edlia. Isso porque ela prepara o indiv\u00edduo para situa\u00e7\u00f5es com as quais inevitavelmente haver\u00e1 de conviver fora do seio familiar, al\u00e9m de qualific\u00e1-lo para o trabalho\u201d, diz a AGU.<\/p>\n

Para a institui\u00e7\u00e3o, por mais diferentes que sejam os membros de uma fam\u00edlia, nenhum n\u00facleo familiar ser\u00e1 capaz de propiciar \u00e0 crian\u00e7a ou ao adolescente o conv\u00edvio com tamanha diversidade cultural, como \u00e9 pr\u00f3prio dos ambientes escolares. “Sendo assim. a escola \u00e9 indispens\u00e1vel para o pleno exerc\u00edcio da cidadania\u201d, acrescenta.<\/p>\n

A Procuradoria-Geral da Rep\u00fablica tamb\u00e9m se manifestou, concluindo: \u201ca utiliza\u00e7\u00e3o de instrumentos e m\u00e9todos de ensino domiciliar para crian\u00e7as e adolescentes em idade escolar. em substitui\u00e7\u00e3o \u00e0 educa\u00e7\u00e3o em estabelecimentos escolares, por op\u00e7\u00e3o dos pais ou respons\u00e1veis, n\u00e3o encontra fundamento pr\u00f3prio na Constitui\u00e7\u00e3o Federal”.<\/p>\n

H\u00e1 oito anos, o Conselho Nacional de Educa\u00e7\u00e3o (CNE) emitiu um parecer orientando que as crian\u00e7as e os adolescentes sejam matriculados em escolas devidamente autorizadas. O CNE tamb\u00e9m entende que a legisla\u00e7\u00e3o vigente enfatiza \u201ca import\u00e2ncia da troca de experi\u00eancias, do exerc\u00edcio da toler\u00e2ncia rec\u00edproca, n\u00e3o sob o controle dos pais, mas no conv\u00edvio das salas de aula, dos corredores escolares, dos espa\u00e7os de recreio, nas excurs\u00f5es em grupo fora da escola, na organiza\u00e7\u00e3o de atividades esportivas, liter\u00e1rias ou de sociabilidade, que demandam mais que os irm\u00e3os apenas, para que reproduzam a sociedade, onde a cidadania ser\u00e1 exercida\u201d.<\/p>\n

Educa\u00e7\u00e3o individualizada<\/strong><\/p>\n

Quem \u00e9 a favor do\u00a0homeschooling<\/em>\u00a0argumenta, entre outras quest\u00f5es, que a educa\u00e7\u00e3o em casa garante o direito \u00e0 dignidade e ao respeito, assegurando uma educa\u00e7\u00e3o mais individualizada e, portanto, mais efetiva. \u201cMesmo nas melhores escolas, a educa\u00e7\u00e3o necessariamente \u00e9 provida de forma massificada, sem atentar para as necessidades espec\u00edficas de cada crian\u00e7a e sem prover a elas as t\u00e9cnicas, os instrumentos e as metodologias do ensino-aprendizagem mais adequadas e qualificadas ao tempo presente\u201d, diz a Aned.<\/p>\n

\u201cEstamos buscando a autonomia educacional da fam\u00edlia, n\u00e3o somos antiescola, n\u00e3o estamos lutando contra escola, apenas somos a fam\u00edlia buscando uma nova op\u00e7\u00e3o que, no nosso entender, \u00e9 melhor para o nosso filho\u201d, diz o presidente da Aned, Rick Dias. Ele conta que tirou os filhos da escola h\u00e1 oito anos, quando a mais velha tinha 12 anos e o mais novo, 9. Hoje, a mais velha cursa rela\u00e7\u00f5es internacionais em uma universidade particular. \u201cN\u00e3o cremos que o Estado deva definir como devemos educar nossos filhos\u201d.<\/p>\n

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*imagem ilustrativa<\/p>\n

Fonte: Ag\u00eancia Brasil<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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